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14 de fev. de 2015

Aborto é bom para quem?



A nova corrente "facebookiana" diz respeito ao aborto, tema polêmico, há muito discutido, reverberado e novamente abafado... Depois de ler tantas e tantas opiniões, levar em consideração minha própria vida e meus posicionamentos ideológicos, morais, filosóficos e profissionais, não podia ficar de fora da discussão, portanto resolvi postar alguns argumentos. O texto é longo, mas tentei abordar da forma mais completa as minhas correntes de pensamento.

1. Não estamos abortando seres vivos 
A imagem acima é de um feto de aproximadamente 12 semanas - 3 meses - que sofreu um aborto espontâneo. Como podem ver, um ser humano todo formado, mas bem pequeno, dependente do corpo de sua mãe para se desenvolver. A idade em que ele sofreu o aborto espontâneo é a mesma idade em que é permitido o aborto provocado em diversos países. É a mesma idade, inclusive, em que muitas mães desavisadas descobrem uma gravidez indesejada. Muitas! Independente dos motivos pelos quais essa mãe sinta o desejo de abortar, não se pode falar que esse feto não tem vida. Ele é um ser humano formado, apesar de prematuro, apesar de dependente, apesar de não poder falar ou se defender. Muitas irão dizer "AH! Mas há mães que descobrem antes! Ah! Mas antes ele não era um ser vivo, era apenas um agrupamento de células". Pois bem, quando eu descobri minha gravidez, tinha apenas 1 mês e meio de gestação - 6 semanas- momento em que eu ainda sentia sintomas extremamente parecidos com os da TPM, aguardava a minha menstruação descer a qualquer momento, não tinha sequer um sinal visível de gestação. Realizei uma ecografia para confirmar o betaHCG e vimos um embrião de 4mm, implantado em meu útero, com o coração batendo rapidamente e fortemente, o mais singelo sinal de vida, dentro do meu corpo, transformando, com certeza, minha vida por todos os seguintes momentos. 

2-A mulher não deve ser punida por ter engravidado
Esse é um argumento extremamente perigoso. TODOS nós sabemos, sem exceção, sem distinção de gênero, que relação sexual desprotegida pode levar à concepção. TODOS nós sabemos, sem exceção, que toda ação tem reação e consequência. Não é uma questão de ser punida, é uma questão de arcar com as consequências naturais dos atos. E não é só a mulher, é a família, a sociedade e o pai. Vejo diversas pessoas defendendo a descriminalização do aborto alegando que a mulher deve ter liberdade de fazer com o próprio corpo o que quiser. Liberdade de fazer com o próprio corpo o que quiser, toda mulher e todo ser humano tem, chama-se livre arbítrio. No entanto, nossa liberdade termina quando a do outro começa. Se outra vida está no jogo, como podemos defender a liberdade extrema de poder fazer o que bem quiser com o próprio corpo? Já deixou de ser só o próprio corpo e passou a ser o corpo da mãe e o corpo de outro indivíduo. Normalmente essa discussão levanta o argumento do "não estamos abortando um ser vivo", mas isso já está abordado no tópico acima. Toda mulher e todo homem deve ter estampado na mente que relação sexual causa gravidez caso algo dê certo no meio do caminho. Digo dê certo, porque engravidar, na verdade, não é uma tarefa fácil. São necessários diversos fatos consecutivos dando certo para que se chegue ao momento "final" de nidação do embrião no útero, isso sem contar com os outros meses de gestação em que qualquer coisa pode acontecer. Portanto, se tudo dá certo, a relação sexual pode chegar em uma gravidez. Por que não se proteger?! Por que não usar camisinha? Por que não conjugar mais de um método contraceptivo? "Mas e se não funcionar?" muitos irão dizer... Pode ter certeza que os métodos contraceptivos são extremamente eficazes atualmente, se não confia, use mais de um. Se mesmo assim der tudo certo, caríssimos, então pode acreditar em uma vontade divina de que nasça uma criança. Resumindo, não tem essa de ser punida por ter engravidado. Gravidez é consequência de relação sexual desprotegida. Proteja-se e você não precisará passar por essa dor de cabeça. Além do mais, camisinha não serve só para prevenir gravidez, serve para prevenir doenças sexualmente transmissíveis, muitas delas invisíveis e caladas, gravíssimas, que vão prejudicar a sua vida mais que dar à luz um filho, pode apostar. Não é só a AIDS que está preocupando o mundo, hepatite B, hepatite C, sífilis, gonorreia, entre tantas outras, debilitantes, estigmatizantes e mortais. 

3- Devemos prender uma mulher por ela ter feito um aborto?
A partir do momento em que entendemos que um comportamento é prejudicial ao bom convívio social, criminalizamos esse comportamento, como uma estratégia para evitar que ele ocorra, colocando punições legais que amedrontem quem queira manifestá-los. Se estamos concordando que o aborto pode ser uma violação a um direito fundamental de um ser humano, estamos equiparando-o a outros crimes em que direitos fundamentais estão sendo violados. É um grande apelo utilizar essa ótica para questionar a descriminalização do aborto: devemos PRENDER uma mulher por ter feito um aborto? Por mais absurda que possa ser essa resposta, sim. Mas digo sim porque o crime é o aborto e quem comete um crime é criminoso, da mesma maneira que sonegar imposto, furtar, roubar, "estelionatar", difamar, assediar, assassinar. Se vamos entrar nos méritos dos crimes, vamos entrar, por exemplo, na discussão do prender ou não prender um homicida. Ele tirou a vida de um indivíduo, suprimiu seu direito fundamental, será punido conforme previsto em lei. Ele tinha o livre arbítrio dele, o de fazer com seu corpo o que bem quisesse. E fez. Mas precisará sofrer as consequências de seus atos conscientes, pois ele escolheu violar uma lei, uma regra social. 

4- As mulheres devem arcar sozinhas com uma mudança radical em suas vidas.
Ninguém disse que gravidez é fácil. Ninguém disse que ser mãe é fácil. Isso é uma grande missão que cabe, em grande parte, à mulher. Disso ninguém tem dúvida. Mas dizer que elas vão arcar sozinhas com essa mudança, para argumentar a descriminalização do aborto é um absurdo. Temos hoje leis que asseguram às mulheres a responsabilização do homem pela criança, prevendo pagamento de pensão, prevendo guarda compartilhada como regra, responsabilizando outros familiares quando o pai não tem condições. Descriminalizar o aborto usando o descaso do homem como argumento é o mesmo que protegê-lo em sua irresponsabilidade. Não devemos dar o direito do aborto às mulheres porque elas arcarão com tudo sozinhas, devemos responsabilizar cada vez mais o homem pelos seus atos. E isso já tem sido feito. É, inclusive, uma das ações judiciais julgadas com mais rapidez  e uma das que mais dá cadeia rapidamente: o não pagamento de pensão. 

5- As mulheres em condições financeiras desfavoráveis fazem abortos com "açougueiros" e acabam morrendo
Esse é o argumento mais furado de todos. Defende-se que a mulher rica faz seus abortos em clínicas, pagando caro por eles e que mulheres em condições financeiras desfavoráveis realizam abortos de qualquer maneira, colocando suas vidas em risco. Primeiramente, os abortos provocados vêm, em sua grande maioria, da parte de mulheres de classe média. As mulheres em condições financeiras desfavoráveis têm assumido mais frequentemente a gravidez e, ainda, têm planejado a gravidez em idades muito menores do que mulheres com maiores condições financeiras. Consultem pesquisas sobre gravidez e classes sociais e isso será confirmado. Hoje vemos garotas de 16 anos fazendo planejamento familiar e engravidando. Enquanto vemos adultas de 25, de classe média, ainda querendo curtir viagens e baladas, nem sequer cogitando a palavra casamento ou família. São realidades totalmente diferentes, inclusive no que diz respeito à visão do aborto. Mas vamos esquecer isso por enquanto. Vamos supor que a ideia e a frequência seja a mesma. Pois bem, os que são a favor da descriminalização do aborto acreditam que transformando o aborto em algo legal, haverá condições em nossa saúde pública para atender as mulheres de classes mais baixas, garantindo uma chance de aborto seguro. Caríssimos, vocês sabem qual é a realidade do SUS na nossa atualidade? Trabalhei por meses no SUS e fiz a perícia de diversas mães que estavam na fila para uma cirurgia de laqueadura. Sabe quantos meses um processo de laqueadura demora a ser finalizado, devido às diversas burocracias envolvidas, à velocidade com que a saúde pública caminha, aos diversos problemas a serem resolvidos dentro da rede? Meses! Se não virar um ano! Nesse tempo a mulher pode engravidar. Nesse tempo, o embrião pode virar um feto de 4, 5, 6 meses. E vocês acreditam que com o aborto será diferente? Nós simplesmente veremos nossa maravilhosa saúde pública funcionando como ela já funciona, ou seja, de maneira caótica, deixando as mulheres na fila por meses! Enquanto isso o bebê está se desenvolvendo... crescendo... e torna-se cada vez mais absurda a ideia de retirá-lo de lá. Enquanto isso, as clínicas particulares continuarão enriquecendo com esses procedimentos, pois se aproveitarão da situação para cobrarem os olhos da cara. As clínicas clandestinas vão continuar a funcionar, só não serão mais ilegais. As ricas continuarão podendo abortar porque terão condições financeiras melhores. As de situação econômica desfavorável terão que arcar com o SUS, que num comparativo com os "açougueiros" de plantão, talvez não se diferenciem muito. Posso comprovar isso com diversos depoimentos de mulheres que foram atendidas pelo SUS no curso da gestação ao parto.

6- Abortar não é fácil, é uma decisão difícil e traz consequências emocionais à mulher
A gravidez e o puerpério e as dificuldades que qualquer mulher está propensa a viver não são fáceis, trazem consequências diversas e já a fazem buscar ajuda na rede pública ou na rede particular. O aborto, da mesma forma, tem uma carga emocional poderosíssima. Achar que descriminalizar o aborto irá mudar qualquer coisa na saúde pública, com o intuito de dar auxílio psicológico a mães que o farão, é de uma ingenuidade sem tamanho. Estaremos apenas abrindo espaço para mais um problema para as mulheres, que permanecerão desamparadas.

7- o aborto será feito apenas em última instância
Esse argumento é uma previsão perigosa de futuro. Como dito anteriormente, criminalizar uma ação tem o poder de amedrontar o cidadão a realizá-lo, devido às punições consequentes. Quando você descriminaliza um ato, você cria precedentes para ele, você o permite invariavelmente, você transforma um ato antes proibido em algo aceitável. Isso significa que o fator amedrontador de antes não tem mais efeito e cometer o ato torna-se algo totalmente plausível, assim que for necessário. Traduzindo, o aborto será sempre uma solução quando as relações sexuais ocasionarem em gravidez indesejada. Isso tranquiliza a cabeça da pessoa, abre uma oportunidade de deixar as preocupações com as consequências de lado, aumenta a probabilidade da desproteção: os métodos contraceptivos podem ser menos utilizados e as doenças sexualmente transmissíveis podem virar epidemias. "Ah, mas as mulheres vão fazer o aborto só em última instância, devido às consequências emocionais que ele traz". Mentira. Se uma mulher nunca fez um aborto na vida e nunca viveu essa sensação, é óbvio que ela não vai pensar duas vezes em fazer, caso necessário. E mesmo que as consequências emocionais sejam devastadoras para algumas mulheres, elas ainda assim vão preferir abortar a terem suas vidas modificadas pela presença de uma criança, um indivíduo que dependerá dela por muito tempo. 

Concluindo...
Não é por machismo ou por maldade que quem é contra a descriminalização do aborto expõe seus argumentos... Não é uma questão de punir a mulher, é muito mais complexo do que isso. É uma questão de querer evitar consequências que não estamos nem de longe preparados para arcar. É de continuar lutando pela responsabilização da família, lutando pelo planejamento familiar, por atos mais conscientes, pela força da mulher, que continua, sim, desamparada. Mas não confundamos feminismo e direito de apoio com o direito de passarmos por cima da liberdade dos outros para fazermos o que quisermos. Defender os direitos da mulher é ter consciência das consequências de nossos atos também, assim como cobramos a consciência dos homens em relação a seus atos, do Estado, em relação a suas políticas públicas. Descriminalizar o aborto não trará a menor mudança para a saúde pública, pelo contrário, será mais um "problema" com o qual esse sistema caótico terá que lidar; não modificará em nada os serviços particulares, pois eles continuarão enriquecendo, mesmo com condutas médicas frequentemente irresponsáveis; não tirará nenhum sofrimento da vida das mulheres, pelo contrário, apenas os transformarão em outros; não criará maior consciência nas pessoas, ao contrário poderá causar o aumento de doenças, o aborto descontrolado, a nulidade de nossos valores sociais.
Necessitamos de mais consciência, mais responsabilidade. Necessitamos que as pessoas defendam atos que repercutirão os atos do amanhã, que fundamentarão os argumentos para criarmos a sociedade do amanhã. Em um país desorganizado como o nosso, você realmente acha que defender o aborto irá trazer mudança de consciência? Melhorias? Mais respeito?